Curso financiado com multa trabalhista ajuda refugiados a entrar no mercado de trabalho
Projeto da Cáritas/RJ, que recebeu recursos destinados pelo MPT-RJ, ensina português a 70 estrangeiros que se refugiam no Rio de Janeiro
Cerca de 70 estrangeiros que foram obrigados a fugir de seus países por conta de perseguição ou guerra veem em um curso de português ministrado no Rio de Janeiro a oportunidade de se inserir no mercado de trabalho e começar uma nova vida no Brasil. O projeto, desenvolvido pela Cáritas/RJ, conta com recursos destinados pelo MPT-RJ, provenientes de multa trabalhista. A formação busca promover a inserção social dessas pessoas, visto que a dificuldade em falar português é apontada pelos estrangeiros como o principal entrave para conseguir um emprego.
O curso é ministrado todas as terças e quintas-feiras em salas cedidas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Os alunos são divididos em cinco turmas, de acordo com o idioma de seus países de origem (francês, inglês ou espanhol) e nível de português. Há refugiados da República do Congo, Síria, Nigéria, Sérvia, Colômbia, Afeganistão, Senegal, Burkina Faso, entre outros países.
De acordo com a assistente social Aline Thuller, que é coordenadora do Programa de Atendimento a Refugiados da Cáritas/RJ, nas aulas, os estrangeiros aprendem o português, a partir de atividades voltadas para o uso do idioma no dia-a-dia e no ambiente de trabalho. Para isso, os professores utilizam em sala exercícios práticos, que ensinam vocabulário de supermercado, farmácia e para entrevistas de emprego.
O valor de R$ 300 mil destinado pelo MPT-RJ serve para custear o auxílio transporte para os alunos frequentarem as aulas, o lanche oferecido aos refugiados, a contratação de um profissional para coordenar o projeto e a compra de material didático. “Os recursos estão sendo aplicados em benefício dos refugiados, pois, ao aprender o português, eles têm mais chances de ingressar no mercado de trabalho”, destaca o procurador do trabalho responsável pela destinação dos recursos, Cássio Luís Casagrande.
O perfil dos estudantes são os mais variados, indo desde pessoas analfabetas até profissionais com pós-graduação, feita em seus países de origem. “A maioria são homens, mas recentemente tem aumentado o número de mulheres, principalmente vindas do Congo, onde a violência sexual é usada como arma de guerra”, observa Aline. Algumas famílias levam as crianças para as aulas e, enquanto os pais estudam, elas fazem atividades recreativas com um supervisor.
Refugiados são aquelas pessoas que precisam deixar seus países de forma rápida por temor de perseguição (religiosa, étnica, política, de gênero, etc) ou risco de violação de direitos humanos. “É uma situação diferente da dos migrantes que vem ao Brasil em busca de uma vida melhor”, explica a representante da Cáritas/RJ. Segundo ela, ao chegarem no Brasil, essas pessoas encontram grande dificuldade em se integrar na sociedade e conseguir encontrar um trabalho, principalmente pela dificuldade em falar o português.
Oportunidade - A Cáritas/RJ atende 7.464 refugiados e solicitantes de refúgio, provenientes de mais de 60 países. Atualmente aqueles que mais procuram refúgio no RJ são da República Democrática do Congo, Colômbia, Nigéria, Irã, Paquistão e Síria.
O colombiano Juan Antonio, 64 anos, e a esposa Maria de Lurdes (nomes fictícios), fazem parte do grupo que ainda está em busca de um emprego. Eles creditam que terão mais chances de encontrar uma oportunidade com a formação em português. Há cerca de 10 meses no Brasil, eles vieram da cidade colombiana de Buenaventura, que sofre com a atuação de grupos paramilitares e de narcotraficantes.
Juan era taxista e acabava transportando pessoas de grupos rivais, muitas vezes sem saber. “Era minha profissão, não ficava perguntando a cada pessoa que entrava no meu carro a que grupo ela fazia parte”, conta. Por conta do ofício, ele e a família começaram a receber ameaças dessas facções. “É muito triste ter que deixar meu país e mudar toda a minha vida”, lamenta. Com medo, decidiu se mudar para o Rio de Janeiro onde já morava um filho.
A dificuldade em se comunicar o levou a procurar o curso. “As pessoas falavam comigo e eu não entendia, isso é horrível”, relembra. Há quatro meses tendo aulas, ele conta que já consegue se comunicar na rua e pensa até em abrir um próprio negócio. “Eu era um pássaro sem asas, sem me comunicar. Agora ganhei asas, quero trabalhar para ter uma vida melhor e quem sabe voltar ao meu país, quando esteja mais seguro”, afirma.
Recursos - A iniciativa é resultado de destinação de recursos da execução de multa aplicada pelo descumprimento de normas trabalhistas em ação ajuizada pelo MPT-RJ contra a Empresa Pioneira Atendimento Domiciliar em Saúde. A empresa, que presta serviços de homecare, terceirizava irregularmente mão de obra, contratando cerca de 140 trabalhadores de cooperativas para a prestação de serviço que deveria ser feito por empregados com vínculo trabalhista.
A implantação irregular do “sistema de cooperativa” visa baratear o custo da mão-de-obra, já que são sonegados direitos trabalhistas, inclusive com a imposição de jornadas de trabalho aos “cooperados” e o não recolhimento de INSS e demais encargos. A Justiça proibiu a empresa de prosseguir com esse tipo de contratação e, diante do descumprimento, foi aplicada multa de R$ 300 mil. Por indicação do MPT, o valor, que está sendo pago em 100 parcelas de R$ 3.000, foi destinado ao projeto da Cáritas/RJ de cursos de português.
A iniciativa faz parte do protocolo de intenções firmado entre a Cáritas/RJ e o MPT-RJ em abril de 2014, que possibilita a destinação de verbas oriundas de multas ou indenizações trabalhistas para projetos da entidade voltados à capacitação e inserção de refugiados no mercado de trabalho. Esse tipo de destinação de recursos a projetos sociais, ao invés do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), passou a ser possível após decisão de janeiro de 2009 da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho. Tal decisão possibilitou a reversão de multas e indenizações trabalhistas a órgãos e entidades públicas ou privadas que prestam atendimento de cunho social ou assistencial.
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