Operação resgata três trabalhadores escravos de pastelaria chinesa em Niterói/RJ
Vítimas foram flagradas sem registro e morando no próprio estabelecimento com um bebê de cinco dias
O Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgataram três chineses que eram submetidos a trabalho em condições similares a de escravo, em uma pastelaria localizada no bairro de Icaraí, em Niterói/RJ. As vítimas - dois homens e uma mulher, com idade entre 20 e 36 anos - não tinham registro e moravam em quartos localizados sobre a pastelaria, sem ventilação e luz natural. A operação foi feita pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel e Combate ao Trabalho Escravo do MTE, em conjunto com o MPT e a Defensoria Pública da União.
Na fiscalização, a equipe encontrou no alojamento um bebê de apenas cinco dias, filho de duas das vítimas. Em depoimento, eles relataram que trabalham no estabelecimento desde junho, recebiam de R$ 1.000 a R$ 1.800 do proprietário e moravam na própria pastelaria. De acordo com a procuradora do trabalho que participou da fiscalização, Guadalupe Couto, os chineses dormiam em alojamento improvisado sobre a pastelaria, sem janelas, nem ventilação ou luz natural. “Era um sótão que mal dava para ficar em pé, pois o pé direito era muito baixo, com calor excessivo, pois não havia janelas. Além dos direitos trabalhistas não serem observados, os trabalhadores estavam em condições degradantes”, afirmou a procuradora.
Segundo o auditor fiscal do Trabalho Lucas Reis da Silva, integrante do Grupo Móvel do MTE, no alojamento onde viviam, os chineses dividiam espaço com utensílios da pastelaria, como refrigerador e alimentos do estoque. “Além disso, havia falta de higiene e eles usavam o banheiro do estabelecimento, em que vaso e chuveiro estavam praticamente sobrepostos, de tão pequeno”, relatou o fiscal do trabalho.
TAC – Como resultado do flagrante, o proprietário, que também é chinês, teve que pagar cerca de R$ 30 mil em verbas trabalhistas devidas aos três trabalhadores (salários, horas extras, férias, décimo terceiro, etc), além do Fundo de Garantia e da multa de 40%. Além disso, teve que dar R$ 10 mil de indenização individual para cada uma das vítimas e pagar R$ 50 mil em danos morais coletivos, pelos prejuízos causados à sociedade ao fomentar a prática de trabalho escravo. “É fundamental essa atuação conjunta entre os diversos órgãos, para combate essa prática irregular”, afirmou o defensor público federal Ígor de Andrade Barbosa, que também participou da operação.
As medidas estão previstas em Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado pelo proprietário com MPT, na última segunda-feira (23/11). “Os valores a título de dano moral individual e coletivo foram estipulados considerando o faturamento mensal da pastelaria e o tempo em que as vítimas foram submetidas a essas condições. A empresa precisa sentir o impacto financeiro resultante do descumprimento das leis trabalhistas, por submeter trabalhadores à condição de escravo”, afirmou Guadalupe. Os pagamentos foram feitos na última quinta-feira (26/11).
Como fruto de parceria com o MPT, a Superintendência de Promoção de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro vai oferecer às vítimas curso de português e, posteriormente, capacitação profissional. “O objetivo é garantir que as pessoas resgatadas não voltem para o ciclo do trabalho escravo”, afirmou Sávia Cordeiro, assessora técnica da Superintendência.
O flagrante das irregularidades foi feito em operação do Grupo Móvel do MTE, em parceria com o MPT-RJ e a Defensoria Pública da União, que terminou nesta sexta-feira (27/11). O grupo foi investigar denúncia que chegou ao MPT de Niterói sobre o uso de mão-de-obra em condições similares a de escravo na pastelaria. Como fruto do acordo, o proprietário teve que custear hotel para as vítimas, até o pagamento das verbas.
Todas as provas coletadas durante a operação serão encaminhadas ao Ministério Público Federal, para auxiliar na apuração da existência de suposta máfia que agencia trabalhadores chineses para trabalhar em pastelarias no Rio. A equipe verificou que as folhas do passaporte de uma das vítimas, que continha o carimbo de entrada no Brasil, haviam sido arrancadas e que uma segunda via do documento foi emitida. Segundo Guadalupe Couto, a prática já foi verificada em outros casos apurados pelo MPT, o que demanda apuração do MPF na esfera criminal, sobre a possível participação de agentes públicos no esquema. Além disso, o MPF também poderá apurar e requerer as punições cabíveis na esfera criminal ao proprietário, pela prática de trabalho escravo contida no artigo 149 do Código Penal brasileiro.
Relatos - Nos depoimentos, tomados com a ajuda de uma intérprete, os trabalhadores relataram que eram proibidos de sentar durante o expediente e que comiam na própria pastelaria. Nenhuma das vítimas fala português, apesar de uma delas ter informado já estar há 9 anos no Brasil e ter trabalhado em outros estabelecimentos. O outro rapaz, de 20 anos, relatou que veio ao Brasil em fevereiro, com a promessa de trabalhar na pastelaria de Niterói para ganhar R$ 1.000 e que foi recebido por um chinês no aeroporto.
Ao ser perguntado sobre quem custeou as passagens, o jovem disse que ele próprio, mas não soube informar o valor. Além disso, inicialmente afirmou que praticamente todo o dinheiro que recebia servia para pagar o alojamento e a alimentação fornecidos pelo proprietário, mas logo em seguida mudou a versão. Já o pai do bebê informou que sua mulher ficaria sem trabalhar pelos próximos dois meses, para cuidar da criança.
Outros casos - As vítimas são oriundas da província de Guangdong na China, mesmo local de onde vieram outros chineses já resgatados pelo MPT e o MTE em operações de trabalho escravo. Este é o sexto caso de chineses submetidos a trabalho escravo investigado em pastelarias do Rio de Janeiro pelo MPT-RJ. Ao todo 13 trabalhadores dessa nacionalidade já foram resgatados em operações conjuntas do MPT e do MTE no Rio, para combater a prática irregular.
Clique aqui para conhecer os outros casos apurados pelo MPT-RJ. Casos de trabalho escravo podem ser denunciados ao MPT-RJ por meio do telefone 0800-0221-331 ou pelo site www.prt1.mpt.gov.br/servicos/denuncias. A denúncia pode ser anônima.
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