Grupo Móvel resgata 11 operários de condição análoga à de escravo em obra no Rio
Trabalhadores vieram de outros estados e foram flagrados em alojamento sem água potável e em condições degradantes
Operação realizada em conjunto pelo Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ), o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e a Defensoria Pública da União resgatou 11 operários de condições similares a de escravo em obra da construtora Living Amparo Empreendimentos Imobiliários, ligada ao grupo Cyrela. As vítimas eram de outros estados – Minas Gerais, Espírito Santo e Pernambuco – e foram contratadas por terceirizadas para fazer o revestimento da fachada no Residencial Verdant Valley, em Camorim (Jacarepaguá). A operação foi feita pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel e Combate ao Trabalho Escravo, que terminou nesta sexta-feira (27/11).
A equipe flagrou os trabalhadores em condições degradantes no alojamento fornecido pelas empresas TNO Engenharia em Revestimentos - terceirizada pela Living - e AGL Construtora, que, por sua vez, foi terceirizada pela TNO para executar o serviço. Os 11 operários estavam em uma casa com dois quartos, sala e apenas um banheiro, sem chuveiro. “As condições eram péssimas e não havia higiene adequada. Havia mofo por todas as partes, baratas, fios desencapados, não tinha chuveiro e a descarga não funcionava”, relatou a procuradora do trabalho Guadalupe Couto, que participou da operação.
Com a descarga sem funcionar, os trabalhadores usavam galões de água, e para tomar banho era preciso ficar bem encostado na parede, pois não havia chuveiro, apenas um cano. “Também não era fornecida água potável e, com isso, os trabalhadores enchiam galões de 20 litros com água da torneira para beber”, explicou o fiscal do trabalho e coordenador do Grupo Móvel, André Dourado. Em um dos quartos dormiam seis trabalhadores em três beliches, enquanto no outro, que não havia janela e nenhuma entrada de luz natural ou ventilação, dormiam duas pessoas. Os demais ficavam em colchonetes pela sala.
Uma das vítimas, João Silva (nome fictício), de 25 anos, saiu de São João do Paraíso em Minas Gerais há cerca de um ano, após o convite de um amigo para trabalhar no empreendimento como pedreiro. Ele conta que, como só havia um banheiro, os trabalhadores montavam uma escala de manhã, que começava por volta de 4h, para que todos pudessem se arrumar. “Chegamos a pedir para a empresa veneno para matar as baratas”, conta. Eles iam todos os dias caminhando até a obra que ficava a cerca de 4km.
Outra vítima relatou que os operários reclamavam à empresa melhorias no alojamento, mas que não eram atendidos. Até a máquina de lavar, os operários contam que tiveram que comprar, assim como roupa de cama, que não era fornecida. Silva explica que, até a operação do MPT, muitos não tinham conhecimento dos direitos trabalhistas em relação às condições de alojamento e que a partir de agora estarão atentos quando encontrarem novas oportunidades de emprego. Com a rescisão, ele pretende voltar para sua cidade e comprar um terreno para construir uma casa, já que não tem residência própria.
De acordo com Dourado, as condições do alojamento desrespeitam a Norma Regulamentadora (NR) 18 do MTE que trata das condições de meio ambiente do trabalho na construção civil. “A norma estabelece parâmetros mínimos de alojamento, como espaço suficiente entre as camas e para acolher de forma confortável os moradores, banheiro com chuveiro de água quente, vaso com água corrente, condições de higiene, água potável para consumo, entre outros pontos, que não foram respeitados nesse caso, submetendo os trabalhadores a condições degradantes”, explicou o coordenador do Grupo Móvel.
Indenização - Com o flagrante feito durante a operação, as empresas tiveram que pagar R$ 20 mil em dano moral individual para cada um dos 11 trabalhadores, além das verbas trabalhistas devidas - férias, décimo terceiro, Fundo de Garantia e multa de 40%. Além disso, tiveram que custear a passagem e os gastos com a viagem de cinco trabalhadores que desejaram voltar a seus estados de origem.
Os trabalhadores resgatados de condições análogas a de escravo têm o direito de receber durante três meses seguro desemprego no valor de um salário mínimo. As medidas foram acordadas em Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelas construtoras com o MPT-RJ na última quarta-feira (25/11). O representante da Living afirmou que a empresa vai se responsabilizar de forma solidária pelo pagamento de todas as verbas.
O MPT-RJ também ajuizará ação na Justiça Trabalhistas para requerer dano moral coletivo pelos prejuízos causados à sociedade com o uso do trabalho escravo, além da aplicação de obrigações de não fazer às empresas sob pena de multa, com vistas a evitar novas práticas irregulares. “Ficou claro que o grupo Living/Cyrela terceirizou e até quarteirizou as atividades principais da empresa, de forma irregular, com o objetivo de sonegar direitos trabalhistas para baratear os custos com mão de obra”, explicou Guadalupe Couto.
Como fruto de parceria com o MPT, a Superintendência de Promoção de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro vai oferecer às seis vítimas que permanecerão no Estado curso de capacitação profissional. “Vamos avaliar o nível de escolaridade de cada um e oferecer, para os que tiverem interesse, vagas em cursos do sistema S ou no ensino médio”, afirmou Sávia Cordeiro, assessora técnica da Superintendência.
Antônio Pereira (nome fictício), de 26 anos, é um dos que pretende permanecer no Rio trabalhando na empresa. Ele veio da cidade de Lagoa dos Gatos (PE) em outubro do ano passado, atraído pela proposta de trabalho e pela vontade de conhecer o Rio de Janeiro. “Tinha muita gente no alojamento, sujeira, a pia estava quebrada, avisávamos aos encarregados, mas ninguém ia consertar”, afirmou.
Para os que decidiram permanecer no Rio trabalhando na mesma obra, as empreiteiras terão que oferecer um novo alojamento em condições adequadas, conforme as regras previstas na NR 18 do MTE. Com a regularização, Pereira decidiu prosseguir na obra como pedreiro, já que recebe o salário em dia. Com a indenização que irá receber pretende trocar o carro e comprar um terreno.
Casos de trabalho escravo podem ser denunciados ao MPT-RJ por meio do telefone 0800-0221-331 ou pelo site www.prt1.mpt.gov.br/servicos/denuncias. A denúncia pode ser anônima.
Ascom MPT-RJ
(21)3212-2121
(21)99423-7936
prt01.ascom@mpt.mp.br
www.prt1.mpt.gov.br
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